Cidade.
Entidade Urbana.
Cidades. Cidades. Cidades.
Viver nas cidades.
Falar de viver nas cidades.
A grande invenção do homem.
Nascem planejadas. Brotam espontâneas.
Crescem desenfreadas. Desorientadas.
Desobedientes.
Crescem e crescem.
Nunca param.
De crescer.
Cidades.
Nunca morrem.
São mutantes. São vampiras.
Cidades vampiras. Vidas vampiras. Sanguessugas.
Imagem e semelhança dos seus hóspedes-humanos.
Mudam de cara, de forma, de jeito, de fisionomia.
Algumas guardam traços de seus antepassados, de sua memória, de sua história. Outras não.
Vivem várias vidas.
Vidas vampiras.
São imortais.
Cidades. Cidades. Cidades.
Falar das cidades.
Viver de falar das cidades.
São a fonte. A ponte. O mote. A inspiração.
O que foi,
O que é,
E o que será a geografia do mundo, o espaço de tudo, o lugar de todos.
O lugar de toda a realidade e vertigem humanas.
Falo da natureza urbana-humana.
Um corpo urbano. Vivo. Um corpo cidade. Dissecado. Retalhado. Partido.
De pedra e osso, carne e aço, semente e bagaço.
Suas vias, seus canais, seus órgãos vitais.
Seus músculos, seus nódulos, seus desejos banais.
Seu sistema circulatório. Seu sangue coagulado. Seu trânsito engarrafado.
Seu tecido urbano, sua pele de concreto armado.
Falo do sentimento de cidade humana, corpo urbano, tatuado, planejado, monitorado, viciado,
aerofotogrametrado, radiografado, encurralado.
Bio-degradável. Bio-degradante.
Falo da natureza humana-urbana.
Do ser urbano.
Filhos de pai, de mãe e de cidade.
Irmãos de sangue-cidade.
Irmãos de sentimento-cidade, espalhados por aí.
Falo da relação simbiótica, quase biológica entre indivíduo e cidade.
Da natureza humana-urbana atual.
Desse sentimento universal.
Desse movimento geral.
Só meu.
Só seu.
Sensação-sentimento de contraste e auto-contraste, foco e fora de foco.
Sensação-sentimento de estar integrado e excluído. Junto e sozinho.
Falo de solidão povoada.
Povoada de muitos milhões de habitantes, de carros, de fios, de prédios, de postes, de antenas, de grades, de miséria, de beleza, de possibilidades e falta de oportunidades.
Falo de um cenário de hiperinflação humana, de acúmulo humano, de excesso urbano. De aglomeração, de multidão, de solidão, de televisão, de muita informação e sala vazia.
De frente pra tela, infinita janela.
Falo de solidão navegada.
Falo da minha rua, da minha tribo, da minha língua, das gírias, esquinas, vitrines.
Falo da sua área, do seu lugar, de outras línguas, de outras paradas.
Falo de S.P., do Rio, de N.Y., Londres, Calcutá, Cidade do México, Tóquio, Nova Delhi, Bombaim, Buenos Aires, Pequim, Paris, Osaka, Jacarta, L.A., Seul, Xangai…
Uma fila de cidades nas estatísticas das maiores do mundo.
Priminhas entre si, totalmente poluídas com excessiva humanidade.
Falo do alto de um prédio, do meio da fila.
Do elevador, daquela esquina.
De dentro do carro. Do meio da rua. De dentro de um bar.
Falo de fora do que é aceito. De dentro do contexto.
Falo de sentimentos alheios. De amores desfeitos.
Falo da cidade tropical, solar, praiosa, suada, miscigenada, verde e amarela.
Brasileira. Inventada, copiada, carente, parente, doente, sem dente.
Someplace,
Sun city
Somewhere,
Here.
Rio.
Sou cidade tropical.
Sou urbano canibal.
Onde o sol brilha mais forte.
Onde se acredita na sorte.
Até que a morte nos separe.
Da janela, vejo a cidade aberta.
Infinita visão.
Até onde a vista alcança.
Até onde o homem aguenta…