A assinatura de Fernanda Sampaio de Lacerda Abreu está impressa de forma impagável na história da música pop do Brasil. Pelo menos três vezes, a eterna “garota carioca suingue sangue bom” – caracterização que, embora já clichê, sintetiza com perfeição o perfil da artista – ajudou a escrever novo capítulo nessa história.
Essa história completa 30 anos em 2020 e ganha celebração da cantora e compositora carioca para marcar as três décadas em que Fernanda Abreu apresentou o primeiro álbum solo, Sla radical dance disco club, editado em 1990. São 30 anos redondos de discografia solo que se conserva moderna e jovial como a artista nascida em 8 de setembro de 1961. Uma obra que apontou caminhos para o pop nacional moldado para a pista e para o prazer.
Em essência, Fernanda Abreu faz há 30 anos música para dançar. Para a liberação do prazer no Brasil, país do suingue que, por mais que os conservadores pequem em não aceitar, tem um jeito de corpo todo sensual, com a malícia do povo brasileiro, constituído por mistura de culturas e peles índias, portuguesas, negras. Mistura impressa no DNA da carioca Fernanda Abreu, cria cosmopolita de uma cidade miscigenada como o Rio de Janeiro (RJ).
A história desses 30 anos tem uma pré-história de grande dimensão pop. No fim de 1981, Fernanda Abreu – então uma estudante de sociologia quase diplomada em dança clássica e contemporânea (em formação a rigor iniciada aos nove anos com a entrada em curso de balé) – deixou de ser mais uma na multidão ao ingressar na banda Blitz. Fernanda entrou para a Blitz após ter integrado com o então desconhecido Leo Jaime uma outra banda carioca, a efêmera Nota Vermelha, que, se não deixou rastro, ao menos serviu para fazer Fernanda conhecer Fábio Fonseca, nome fundamental na construção da obra solo da cantora.
A Blitz, para quem não viveu os praieiros anos 1980 de um Rio de Janeiro que já começava a se partir, foi a banda que abriu as portas da indústria fonográfica para o pop rock brasileiro que germinava na areia e nas garagens. A Blitz foi uma brincadeira de amigos que cresceu e absorveu todos os integrantes dessa banda que virou coisa séria já no verão de 1982, com a explosão do compacto com a música “Você não soube me amar”.
Sob a liderança de Evandro Mesquita, compositor e vocalista da banda, Fernanda Abreu era uma das duas backings da Blitz. As garotas que, além de cantar, davam charme àquela banda que dialogava com a estética pop dos quadrinhos com som de verão, bem humorado, irreverente. Uma novidade na época que, como sintetizou Gilberto Gil, deu uma blitz na MPB e a história da música brasileira nunca mais foi a mesma.
Apesar da dimensão grandiosa, toda a saga pop da Blitz, vivida pela cantora entre 1982 e 1986, representou tão somente a pré-história de Fernanda Abreu na música pop brasileira porque foi justamente a partir do fim da banda, em 1986, que a artista começou a delinear solitariamente a assinatura mais pessoal que iria imprimir no pop nacional.
A retomada das aulas de violão e o início das aulas de canto (com o mano Felipe Abreu, requisitado por dez entre dez cantoras do Rio de Janeiro) foram os primeiros passos para a pavimentação de um caminho individual. Solo, mas não sozinha, já que Fernanda começou a se envolver artisticamente com Fausto Fawcett e Carlos Laufer (parceiros que se mantiveram fiéis nesses 30 anos), a cantora começou a arriscar alguns shows enquanto preparava uma fita demo, nome dado então às gravações que serviriam de amostras para produtores e executivos de gravadoras.
Naquele ano de 1989, no qual conheceu o então emergente funk carioca ao ser levada a um baile da pesada por Hermano Vianna, Fernanda já começava a encontrar a própria turma, que inclui o técnico de som Evaldo Luna. Além de Fábio Fonseca, procurado pela artista pela lembrança da boa convivência musical nos tempos da banda Nota Vermelha, a cantora se juntou com Aurélio Dias (baixo), Bodão (bateria) e Fernando Vidal (guitarra) em show de pegada funkeada e roteiro calcado em sucessos da disco music, gênero então desprezado na época.
O show foi a semente do primeiro álbum solo de Fernanda Abreu, Sla radical dance disco club, produzido por Fábio Fonseca com Herbert Vianna, com quem a cantora havia se reencontrado em 1989 quando o Paralama dava forma a um disco de Fausto Fawcett. Ou seja, tudo se conectava como mágica, preparando o clima para o grande salto dado por Fernanda Abreu com o disco gravado em janeiro e fevereiro de 1990 nos estúdios da EMI-Odeon, gravadora que editara os discos da Blitz e que adquirira o passe de Fernanda Abreu em carreira solo (convite feito já em 1987, mas que Fernanda inteligentemente recusou por se saber ainda despreparada para uma carreira solo).
Com Sla radical dance disco club, Fernanda Abreu escreveu mais um novo capítulo na história do pop brasileiro. Simplesmente porque tudo era novo naquele álbum que valorizava com requinte a música de dança, a dance music, a figura então minimizada do DJ como comandante do baile e, sobretudo, o sample, usado de forma pioneira no Brasil pela artista. Hoje, quando tudo já é história, parece corriqueiro. Mas em 1990 a cultura explícita do sample era inédita na discografia nacional.
No posto de coprodutora do disco, atenta a cada detalhe de cada arranjo, Fernanda Abreu não teve medo de samplear, de se apropriar licitamente de referências da música black norte-americana. Não por acaso, a lista de agradecimentos especiais do disco incluía James Brown, Prince e Sly Stone entre os brasileiros Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros nomes.
“A noite é feita para dançar”, sentenciou Fernanda Abreu em A noite, parceria com Luiz Stein e Carlos Laufer que abria o disco, impregnado de ecos da disco music. Outra inovação. Um dos motes de Sla radical dance disco club (evidenciado na regravação de Kung Fu Fighting, hit de Carl Douglas, e na opção de Fernanda e Fawcett para escrever versão em português de Got to be real, sucesso de Cheryl Lynn), o cruzamento esperto da atmosfera da dance music com a pegada aliciante da disco music somente seria feito por Madonna – referência para Fernanda Abreu e para o universo pop – quinze anos depois no álbum Confessions on a dance flor (2005). Já deu para sacar a modernidade e o frescor que pautaram Sla radical dance disco club, né? Esse frescor continua atual após 30 anos. Pergunte a qualquer DJ os efeitos provocados na pista quando se toca a música A noite…
Disco que legou a balada Você pra mim, composta pela própria Fernanda Abreu, Sla radical dance disco club reforçou os laços afetivos e profissionais da cantora com Luiz Stein, artista gráfico de atuação determinante na identidade visual dos discos, clipes e shows da artista. Esse laço já tinha sido estreitado nos anos 1980. Fernanda conheceu Stein em 1981, começou a namorá-lo em 1982 e casou com ele em 1983, em pleno apogeu da banda Blitz.
Stein – com quem Fernanda ficou casada por quase 30 anos, tendo gerado com ele as filhas Sofia e Alice – traduziu em imagens inovadoras o som da cantora até o álbum retrospectivo da série MTV ao vivo (2006).Na carreira solo de Fernanda Abreu, som e imagem sempre se conectaram com sofisticação nos encartes dos discos, nos cenários dos shows e nas fotos promocionais da artista.
Essa fina sintonia foi bisada no segundo álbum solo de Fernanda Abreu. Lançado em 1992, Sla 2 – Be sample ampliou o uso do sampler, jogou outros ritmos no fervente caldeirão sonoro carioca, notadamente samba e rap, e reforçou a assinatura da artista na cena musical. É o disco que confirmou a personalidade de Fernanda Abreu e demarcou o território preparado em Sla radical dance disco club.
Produzido por Liminha, com a colaboração de Fernanda e de Fábio Fonseca na coprodução,Sla 2 – Be sample é um disco fervido, essencialmente carioca, embora Fernanda Abreu já fosse um nome nacional desde 1982. Tanto que um dos maiores petardos da artilharia sonora doálbum já explicita a origem geográfica e social no título Rio 40 graus (Fernanda Abreu, Carlos Laufer e Fausto Fawcett, 1992).
Mix de funk, rap e samba flambado na alta temperatura dos sons cozinhados na panela de pressão do Rio de Janeiro (RJ), Rio 40 graus goza do justo status de ter sido eleito um hino informal da “cidade-maravilha, purgatório da beleza e do caos”, versos que sintetizam a dor e a delícia de ser carioca.
O outro clássico de Sla 2 – Be sample é exemplo de como uma intérprete pode imprimir uma assinatura em música alheia e já conhecida se tiver personalidade ao abordá-la. Devota de são Jorge Ben Jor, divindade do samba-rock esquema novo que assombra o universo pop desde 1963, Fernanda Abreu trouxe Jorge de Capadócia (1975) para o universo de Be sample com tanta propriedade que a música se tornou dela, também.
Três anos após Sla 2 – Be sample, Fernanda protagoniza um outro capítulo na história do pop brasileiro. Da lata, terceiro álbum solo da artista, sai em 1995 com um outro som, mixando a batucada do samba com a batida do funk.Produzido por Liminha com Will Mowat, Da lata pôs samba-funk na veia, mostrando o valor da gente bronzeada que sacolejava nos bailes, nas praias e nas periferias com som da pesada. Em 1995, o funk do Rio de Janeiro já era uma cultura acariocada que ia além do Miami Bass dominante na década de 1980. Já havia hits nos bailes da pesada que aglutinavam multidões a reboque dos MCs.
Contudo, para o Brasil que ainda ignorava essa cultura, Fernanda Abreu teve papel importante na propagação do funk em todo o país do suingue. Mas associar Da lata somente ao funk carioca é reduzir o alcance pop planetário de disco que estabeleceu a conexão de Abreu com o produtor suíço Will Mowat e, numa escala em Londres, com o grupo inglês de música black Soul II Soul. Mas sem nunca perder o Brasil da vista desse amplo horizonte musical aberto pela dance music.
“O brasileiro é de festa / O brasileiro é de baile”, cravava Fernanda, certeira, em versos de Brasil é o país do suingue (Fernanda Abreu, Fausto Fawcett, Carlos Laufer e Hermano Vianna). Espécie de aquarela brasileira do samba-funk, Brasil é o país do suingue é um dos sucessos deste disco que legou outros hits, em especial Garota sangue bom (Fernanda Abreu e Fausto Fawcett) e Veneno da lata (Fernanda Abreu e Will Mowat).
Disco em que Fernanda Abreu apresentou ao universo pop o então ainda desconhecido Pedro Luís, cantor que militava na cena alternativa carioca desde os anos 1980 e que se tornou parceiro da colega famosa em Tudo vale a pena, Da lata é disco sobre o povo que cai no samba, que dança funk e que mistura samba com funk com a maior naturalidade. Tudo em nome da dança, em nome do prazer.
Por ter ampliado a visibilidade global de Fernanda Abreu, a reboque de turnê feita Brasil afora com direito a escalas internacionais inéditas na carreira da artista, o álbum Da lata foi sucedido dois anos depois com Raio X (1997), espécie de coletânea em que a cantora, em vez de olhar somente para trás, mirou o futuro, apontando outros caminhos para a própria música através de remixes, regravações e registros inéditos. Evolução de ideia mercantilista da gravadora, que sugerira um disco ao vivo recusado por Fernanda, a revisão precoce da carreira solo da garota sangue bom gerou abreugrafia atípica na indústria do disco. Tanto que, mesmo não sendo a rigor um disco de carreira, Raio X tem esse status na discografia da cantora. Merecido, por trazer seis gravações inéditas na voz de Fernanda.
Com produção capitaneada pela própria Fernanda Abreu, Raio X reapresenta a artista revista e ampliada. Produzida por Chico Neves, a gravação inédita do samba-enredo Aquarela Brasileira (Silas Oliveira, 1963), samba-enredo com o qual a escola de samba Império Serrano desfilou no Carnaval de 1964, ajudou a mapear o cenário mais amplo da artista. A expansão da geografia musical de Fernanda motivou o registro de Jack soul brasileiro, música inédita de Lenine que evocava o suingue do Brasil nordestino de Jackson do Pandeiro (1919 – 1982) com o balanço carioca.A música foi feita pelo compositor pernambucano a pedido de Fernanda, ao perceber a conexão de Jackson com a batida do funk e do hip hop em julho de 1996 quando Otto começou a improvisar a Cantiga do sapo sobre base de rap nos bastidores de evento em Nova York (EUA).
Além de apresentar na voz da cantora outra inédita canção romântica de Herbert Vianna (Um amor, um lugar, feita para a artista),Raio X também acusou a permanente ligação de Fernanda Abreu com Fausto Fawcett e Carlos Laufer, compositores de um pioneiro rap carioca, Kátia Flávia, a Godiva do Irajá, regravado por Abreu para o disco em registro formatado pelo DJ Marcello Mansur, o popular Memê.
Trata-se de registro emblemático e significativo, inclusive porque, no disco de 1987 em que Fausto apresentou Kátia Flávia, Fernanda Abreu apareceu pela primeira vez como artista solo, figurando na música Juliette. Já o Bloco rap Rio soou legítimo na voz dessa cantora à altura já reconhecida como espécie de embaixatriz do funk carioca por propagá-lo em redutos onde o gênero ainda não tinha aceitação.
O Bloco rap Rio foi homenagem de Fernanda à música negra brasileira, prestada com participações realmente especiais com a do grupo Planet Hemp (com as presenças de Marcelo D2, Black Alien e BNegão), O Rappa (ainda com Marcelo Falcão e Marcelo Yuka juntos no grupo), Arícia Mess, Jovi Joviniano, Zé Gonzales (atualmente celebrado como integrante do Tropkillaz) e DJ Nuts nas pick-ups.
Efeito das múltiplas conexões musicais feitas por Fernanda Abreu ao longo da turnê internacional do show Da lata, o disco Raio X foi um projeto pautado por encontros que se tornou o título comercialmente mais bem-sucedido da obra fonográfica da artista, tendo gerado turnê igualmente bem-sucedida.
Encerrada a radiografia da década de 1990, Fernanda Abreu entra no século XXI como a encarnação contemporânea de uma entidade urbana, de origem carioca, mas de sotaque já universal porque o mundo já começava a se conectar firmemente nos anos 2000 pelos celulares e pela internet.
Entidade urbana, não por acaso, é o título do quinto álbum solo de Fernanda Abreu, lançado em 2000. Sem perder a alma carioca, tradutora da miscigenação libertária que pauta o som da artista, o disco idealizado por Fernanda versava sobre as afinidades entre as megalópoles do Brasil e do mundo. “Tudo é cidade / É tudo igual / Em qualquer língua / Isso é geral”, resumiu estrofe de Sou da cidade, música de Fernanda, Liminha e Rodrigo Campello que abriu o disco produzido por Liminha com Chico Neves (convidado pelo belo trabalho na produção de algumas faixas inéditas de Raio X).
Em que pese a amplitude global do disco, Entidade urbana resultou enraizado entre as belezas e o caos do Rio de Janeiro. Parceria de Fernanda com Rodrigo Maranhão, revelado por Fernanda através dessa colaboração, Baile da pesada sobressaiu no repertório autoral com rolê democrático por vários pontos da cidade, unindo Zona Norte e Zona Sul sob o manto do suingue da garota carioca, que reverenciava na faixa a memória dos pioneiros DJs Big Boy, Ademir Lemos e Monsieur Limá.
Disco de confirmação, Entidade urbana gravitou, sem fronteiras, em universo musical em que cabia rap, samba, funk e dance. Um disco calcado na modernidade. Mais um.
Quatro anos depois, Fernanda Abreu voltou ao disco com Na paz. A chapa estava cada vez mais quente no Rio. Mas, na imagem da capa do álbum, a cantora já mandava o recado, dizendo que acreditava na flor vencendo o canhão na selva das cidades.
Sexto álbum solo de Fernanda Abreu, Na paz saiu em 2004, com a faixa Eu vou torcer, lembrança de título até então obscuro do cancioneiro de Jorge Ben Jor, eleita como música de trabalho para as rádios.A música tinha sido lançada em 1974, 30 anos antes de ser devidamente apropriada por Fernanda com o aval do compositor.
Neste disco, que marcou a estreia do selo fonográfico da artista, Garota Sangue Bom, Fernanda disparou um míssil pacifista que demarcou mais território musical para a cantora. Produzido por Fernanda com Rodrigo Campello, o álbum Na paz abre com Brasileiro, versão (de Fernanda) para a música do compositor angolano Teta Lando originalmente intitulada Angolê. Jacques Morelenbaum e Eumir Deodato se juntaram na orquestração da faixa, sinalizando a exploração de outros universos musicais. Mas, sim, havia samba e havia funk. Por vezes juntos e misturados, como em Padroeira debochada, outra colaboração da artista com o fiel escudeiro Fausto Fawcett, mas com a adesão de Maurício Pacheco. E, por fim, o apelo: Não deixe o samba morrer, lembrança do samba lançado por Alcione em 1975.
No que depender de Fernanda Abreu, o funk carioca também sempre estará vivo. Ao fazer o primeiro registro ao vivo de show de tom retrospectivo, gravado no Rio de Janeiro (onde mais?) em 2006 para gerar CD e DVD na série MTV ao vivo, a cantora emoldurou o cenário com caixas de som que reproduziram a estética musical dos bailes funks orquestrados pela equipe Furacão 2000 nas periferias cariocas e fluminenses. Um cenário, além de belo, visionário por valorizar uma cultura que ganharia o mundo no fim dos anos 2010.
Lançado na década áurea do DVD como formato audiovisual preferido da família brasileira, o MTV ao vivo de Fernanda Abreu soou como um baile da pesada. Com direito a scratches do DJ Marlboro. E também a uma lembrança do repertório da Blitz. A inclusão no roteiro da balada A dois passos no paraíso, lançada pela banda no álbum Radioatividade (1983), mostrou que Fernanda Abreu sempre esteve em paz com a própria trajetória e que jamais renegou a fase irreverente dos chopes e das batatas fritas.
A edição do DVD MTV ao vivo foi importante por perpetuar som e imagem de show da cantora, conhecida pelo calor das performances ao vivo em apresentações que combinam música e dança com precisão e com requinte visual evidenciado no ótimo acabamento dos cenários e dos figurinos.
Problemas de ordem pessoal, como a separação de Luiz Stein e a morte da mãe (após anos em coma), contribuíram para que tenha havido um hiato de dez anos na trajetória fonográfica da artista. Uma década separa o MTV ao vivo de 2006 do aclamado álbum de músicas inéditas Amor geral, que marcou a volta da cantora ao disco em 2016. Foi um período necessário para que Fernanda pudesse se inteirar dos novos rumos da indústria fonográfica, que passou por processo de transição até se ambientar na área digital que rege atualmente o mercado do disco.
De todo modo, o hiato foi apenas fonográfico e, mesmo assim, foi eventualmente quebrado com gravações da cantora em projetos coletivos como Casa de samba, Samba social clube e Um barzinho, um violão. A rigor, mesmo sem fazer um álbum, Fernanda continuou em cena nesses dez anos.
Encerrada em 2008 a turnê do projeto MTV ao vivo, a cantora criou show intitulado Eletro-acústico e caiu na estrada, apresentando, com pegada mais serena, músicas da própria discografia e das obras de compositores como Chico Buarque, Marina Lima e Michael Jackson, entre outros. Até que veio a inspiração para começar a compor, entre 2012 e 2013, o repertório de Amor geral, álbum de músicas inéditas lançado em maio de 2016.
Disco afetuoso de tom autobiográfico, Amor geral flagrou Fernanda Abreu com o mesmo frescor e modernidade dos álbuns anteriores. E com vigor jovial. Tudo soou novo de novo no disco que aglutinou vários produtores (Liminha, Wladimir Gasper, Rodrigo Campello, Sergio Santos, Tuto Ferraz, Qinho e Gui Marques) sob a direção musical da jovem senhora sangue bom. Na pista, com direito a batidas de house, Fernanda Abreu irmanou mais uma vez samba, funk e ritmos afins.
A presença luxuosa de Afrika Bambaataa – um dos pais norte-americanos do rap (e por extensão do funk carioca) que germinou nos Estados Unidos nos anos 1970 até explodir na década seguinte – na faixa Tambor (Fernanda Abreu, Jovi Joviano e Gabriel Moura), deu moral ao disco e a Fernanda sem que ela precisasse do aval, já lhe concedido pelo público e pelos críticos desde os anos 1990.
Em Amor geral, Fernanda Abreu abriu e renovou parcerias. Sem esquecer os fiéis Fausto Fawcett e Carlos Laufer, autores de Double love / Amor em dose dupla. Com elogiado projeto visual de Giovanni Bianco, vencedor de um Prêmio da Música Brasileira na categoria, o disco rendeu show em que a cantora reafirmou a fina sintonia entre música e dança.
Ainda em cena neste ano de 2020, o show Amor geral precede a grande celebração multimídia orquestrada por Fernanda Abreu para marcar os 30 anos de carreira solo com a satisfação de, nessas três décadas, ter apontado caminhos para o pop do Brasil. Ninguém apaga a assinatura intransferível de Fernanda Sampaio de Lacerda Abreu nessa história.