Sla 2 Be Sample
1992
1  Jorge De Capadócia
3  O Céu Pode Esperar
4  O Estado Das Coisas
5  Hello Baby
6  Rio 40 Graus
2  Vinheta I
7  Vinheta II
8  Sigla Latina Do Amor (Sla 2)
9  Do Seu Olhar
10  Uma Breve História Do Tempo
11  Vinheta III
12  Be Sample
13  Boogie Oogie Oogie (Disco Classics 2)
Jorge De Capadócia
Jorge Ben

Jorge sentou praça
Na cavalaria
Eu estou feliz porque eu também
Sou da sua companhia

eu estou vestida com as roupas
E as armas de jorge
Para que meus inimigos tenham pés
E não me alcancem
Para que meus inimigos tenham mãos
E não me toquem
Para que meus inimigos tenham olhos
E não me vejam
E nem mesmo um pensamento
Eles possam ter para me fazerem mal

Salve jorge
Salve o jorge

armas de fogo
Meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem
Sem o meu corpo tocar
Cordar e correntes arrebentem
Sem o meu corpo amarrar

Porque eu estou vestida
Com as roupas e as armas de jorge

Salve jorge
Salve jorge

Eu estou vestida
Com as roupas e as armas de jorge
Para que meus inimigos
Tenham pés e não me alcancem
Tenham mãos e não me toquem
Tenham olhos e não me vejam
E nem em pensamento possam me fazer mal”

Salve jorge
Salve jorge

O Céu Pode Esperar
Fernanda Abreu / Marcelo Lobato

Fazer o que se quer nem sempre é possível
O poder é relativo, nunca é cedo ou tarde
Na vida cada um se vira como pode
E no final não existe julgamento pra nada

Um momento, um segundo, um minuto já acabou
O tempo é abstrato, o futuro e o passado
Não basta só viver, eu quero a felicidade
E no final quero encontrar a tal eternidade

A hora, um dia, eu sei que vai chegar
No céu entrarei navegando pelo mar
Então me lembrarei da vida aqui na terra
E verei que na verdade: do mundo nada se leva

Do mundo
Do mundo nada
Do mundo nada se leva

Darei um grande baile celebrando minha chegada
Com anjos e demônios, todo mundo da pesada
O som será bem alto e quente como o verão
Tocando s.L.A. E linda iluminação

A partir de hoje, dessa madrugada
Se iniciará a grande comemoração
Todo o dia será dia de festa e diversão
Já que não há motivos para preocupação

Só que ainda estou aqui, ainda vivo com pressa
Os filhos, os amigos, o amor é o que interessa
Se a vida é muito curta, eu quero aproveitar
E é por isso que eu digo: o céu pode esperar

O céu
O céu pode
O céu pode esperar

A raho, um adi eu sei que vai garche
A no céu entratei gandonave lope mar
Tãoen me lembrei da davi quia na terra
E reive que na verdade, do domun dana se avel

Reida um degran lebal brandocele minha gadache
Com josan e demônios, doto domum da sadape
O som rase bem alto e tequem como o rãove
Condoto s.L.A. (Sia) e dalin iluminação

Só que daain estou quia, daain vivo com pressa
Os lhosfi, os amigos, o mora é o que interessa
Se a davi é tomui curta, roque aproveitar
É porssoi que eu godi: o céu depo esperar

O Estado Das Coisas
Fernanda Abreu / Alexandre Amorim / Mathilda Kovak

Essas idéias que você pensa ter tido
Já estiveram na cabeça de outro indivíduo
Em algum tempo, em algum instante
O pensamento passa a ser semelhante

Claro, complicação, exato
O pensamento
Simples, transitório, eterno
O pensamento

O indivíduo que você pensa ter sido
Foi algum dia por outro ser sentido
Não tem importância, não faz diferença
O sentimento é um estado de crença

Frágil, resistente, concreto
O sentimento
Simples, transitório, eterno
O sentimento

O sangue corre e aquece a sensação
Que tudo passa, mas fica no coração
Todas as coisas, o corpo, a razão
No fim não valem como explicação

As coisas são assim
Não porque eu quis
Eu não tenho nada
Só por amor

Hello Baby
Fernanda Abreu / Luis Stein / Laufer
Citação: Julio Barroso

Deixei gravada minha voz de manhã
Na sua casa prá você me ouvir
E no entanto eu só queria falar
Que na verdade eu só liguei pra dizer

Hello baby
Hello baby

Eu sei que quando o telefone tocar
A sua voz então me alcançará
Suas palavras quentes vão me aquecer
Mas na verdade elas só querem dizer

Hello baby
Hello baby

Estou falando muita coisa um pouco
De quase tudo que tenho pra dizer
Mas é também um pouco de alguma coisa
Ou quase nada, ou tudo, amo você

E não me importo se o tempo passar
E tantas vezes eu te telefonar
Contar um pouco disso tudo a você
Ou nem que seja apenas só pra dizer

Hello baby
Hello baby

“São três horas da manhã, você me liga
Pra dizer coisas que só a gente entende
São três horas da manhã, você me chama
Com seu papo poesia me transcende

Sua voz está tão longe ao telefone
Fale alto mesmo, grite, não se importe
Pra quem ama a distância não é lance
A nossa onda de amor não há quem corte”

Hello baby

Rio 40 Graus
Fernanda Abreu / Fausto Fawcett / Laufer

Rio 40 graus
Cidade maravilha
Purgatório da beleza e do caos

Capital do sangue quente do Brasil
Capital do sangue quente
Do melhor e do pior do Brasil

Cidade sangue quente
Maravilha mutante

O rio é uma cidade de cidades misturadas
O rio é uma cidade de cidades camufladas
Com governos misturados, camuflados, paralelos
Sorrateiros ocultando comandos

Comando de comando submundo oficial
Comando de comando submundo bandidaço
Comando de comando submundo classe média
Comando de comando submundo camelô
Comando de comando submáfia manicure
Comando de comando submáfia de boate
Comando de comando submundo de madame
Comando de comando submundo da tv
Submendo deputado – submáfia aposentado
Submundo de papai – submáfia da mamãe
Submundo da vovó – submáfia criancinha
Submundo dos filhinhos

Na cidade sangue quente
Na cidade maravilha mutante

Rio 40 graus…

Quem é dono desse beco?
Quem é dono dessa rua?
De quem é esse edifício?
De quem é esse lugar?

É meu esse lugar
Sou carioca, pô
Eu quero meu crachá
Sou carioca

“Canil veterinário é assaltado liberando
Cachorrada doentia
Atropelando na xinxa das esquinas
De macumba violenta
Escopeta de sainha plissada
Na xinxa das esquinas de macumba gigantesca
Escopeta de shortinho de algodão”

Cachorrada doentia do joá
Cachorrada doentia são cristóvão
Cachorrada doentia bonsucesso
Cachorrada doentia madureira
Cachorrada doentia da rocinha
Cachorrada doentia do estácio

Na cidade sangue quente
Na cidade maravilha mutante

Rio 40 graus…

A novidade cultural da garotada
Favelada, suburbana, classe média marginal
É informática metralha
Sub-azul equipadinha com cartucho musical
De batucada digital

Meio batuque inovação de marcação
Pra pagodeira curtição de falação
De batucada com cartucho sub-uzi
De batuque digital, metralhadora musical

De marcação invocação
Pra gritaria de torcida da galera funk
De marcação invocação
Pra gritaria de torcida da galera samba
De marcação invocação
Pra gritaria de torcida da galera tiroteio
De gatilho digital
De sub-uzi equipadinha
Com cartucho musical
De contrabando militar

Da novidade cultural
Da garotada da favelada suburbana
De shortinho e de chinelo
Sem camisa carregando
Sub-uzi e equipadinha
Com cartucho musical
De batucada digital

Na cidade sangue quente
Na cidade maravilha mutante

Rio 40 graus
Cidade maravilha
Purgatório da beleza e do caos

Vinheta I

Faixa instrumental

Vinheta II

Faixa instrumental

Sigla Latina Do Amor (Sla 2)
Fernanda Abreu / Fausto Fawcett / Marcelo Lobato / Falcon

Sla on your body
Sentimento lascivo ancestral
Sla on your mind
Sensação de latência amorosa
Sla in your soul
É a sigla latina do amor

Quando eu beijo
Clandestinos paraísos se misturam
Em céus de sampler abstrato

No centro da minh’alma
O sai da lua arcaica
É suspiro de astrofísico prazer de lingerie

Sla on…

Quer pegar na minha boca
Minha pele é madrilenha
Madureira, catalã, copacabana

Vem garoto, vem garota
Sussurrar
Vem garotos, vem garota
Vem gritar

Sla on…

Do Seu Olhar
Fernanda Abreu / Fernando Vidal

Das flores eu tenho o perfume
Do sangue eu tenho a cor
De noite eu vejo no escuro
De dia eu me cego com a luz

Do seu amor
Não sei o que esperar
Eu não sei o que esperar
Do seu olhar
Não sei o que esperar
Eu não sei o que esperar
Do seu amor

Dos sonhos eu tenho o impossível
Da imagem eu tenho a paz
Do mundo basta o seu beijo
E a sorte que só você me traz

Do seu olhar
Não sei o que esperar
Eu não sei o que esperar
Do seu amor
Não sei o que esperar
Eu não sei o que esperar
Do seu olhar

Das flores eu tenho o espinho
Do sangue eu tenho a dor
Do seu amor
Do seu olhar

Uma Breve História Do Tempo
Fernanda Abreu / Márcia Stein / / Alexandre Amorim / Fernando Vidal

A cada segundo
Do tempo do mundo
Corta o espaço
Uma grande verdade

A cada minuto
Do tempo absoluto
Vaga na vida
Uma outra saudade

A cada momento
No sopro do vento
Voa na mente
Um desejo ardente

Errante
Constante
Em busca do instante transparente

O pensamento voa
O corpo dança
O espírito brinca
A preguiça é boa

Vinheta III

Faixa instrumental

Be Sample
Fernanda Abreu / Chacal / Fabio Fonseca

Play it again, sam
Sampleia isso aí

O que se faz a pé
De carro se faz mais rápido
O que grita ao olho
Na tela se agiganta
O que passa na cabeça
Ao sample se assemelha

Be sample
Who can be
I can be
You can
Be simple
You can be
I can be
To be can be

Sample in the jungle
Simple like a window
Simples como um clips

Sample in a mumble
Simple like a needle
Simples como um níquel

Be sample…

O caos can be sample
Manaus can be sample
Os maus can be sample

O cais can be sample
Manuais can be sample
Os mais can be sample

Be sample…

Boogie Oogie Oogie (Disco Classics 2)
Johnson / Kibble

If you’re thinking you to good to boogie
Oh boy have i got news for you
Everybody here tonight must boogie
Let me tell you, you are no exception to the rule

Get on up on the fioor
Cause we’re gonna boogie oogie oogie
Till you just cant’t boogie no more
Boogie no more
You can’t boogie no more
Listen to the music

There’s no time to waste let’s get the show on the road
Listen to the music and let your body flow
The sooner we get there the longer we’re gonna groove
So listen to the music and let your body move
Music’s feeling good

Get on up on the floor
Cause we’re gonna boogie oogie oogie
Till you just can’t boogie no more
Boogie no more
You can’t boogie no more
Listen to my bass

“If you’re thinking you’re to good to boogie oogie
Listen everybody i’ve got new’s for you
The sooner we begin the longer we’re gonna groove
So listen to my band and let your body move
Get on up
Get on up
Get on up the floor”

Get down
Boogie oogie oogie
Get down

Sla 2 Be Sample
1992
por Fausto Fawcett
por Chacal
por Hermano Vianna

Fernanda gravou o segundo disco grávida. A barriga virou cúpula de gravidez – e o ventre – capela de carne aonde rolava a reza da gestação de Sofia. SLA II gerado sob o signo de Sofia. Aguçada, refinada, agulhada pela gravidez, Fernanda teve sua imaginação musical e textual, sua inspiração, totalmente ampliada, superlativizada, influenciada pelo cio da gravidez. Cio de sensibilidade estranha, sensações inesperadas, borestes orgânicos, movimentações sorrateiras no corpo, a mulher naquela de casulo fêmea. Fernanda estava linda como sempre, com aquela barriga cúpula de gravidez, ventre capela de carne onde rolava a reza da gestação de Sofia. A menininha, como todo o bebê, é gente, mas também é meio céu, quero dizer, absoluta amplidão que te deixa na excitação, ligação, reflexão sobre origens e chegadas. Não é mole carregar um céu na barriga.
Ligadona organicamente, aguçada em todos os seus perímetros de inteligência corporal e mental, Fernanda meteu bronca e desenvolveu maravilhosamente o que já havia começado no primeiro disco. SLA II é uma nova viagem de afirmação de um sentimento-vocação-visão de mundo, calcados, inspirado pela instância da condição humana, ligada aos fenômenos de prazer gerados pelas evasões, fugas, alterações, perturbações, iluminações, diluições do ego, da razão da consciência, do juízo, dos cotidianos claustrofóbicos. Instância da condição humana que é contraponto-rival da vocação civilizatória, gregária, racional, social que nos guia todos os dias. O disco é uma homenagem a todo fenômeno de prazer que transforma qualquer coisa, ato, presença, pensamento, imagem, atração física em manjar de iemanjá desgovernada. O disco foi gravado sob o signo da gravidez, da potência de intensidade que esse estado interessante gera numa mulher, fêmea fortalecida carregando um céu. As músicas Jorge de Capadócia e O céu pode esperar são belas derivações do prazer desse estado interessante. O disco é um mergulho na inspiração que essa primordial e mais poderosa instância da vida detona nessa morena chamada Fernanda.

Sob o céu da inteligência sensual

O que interessa para Fernanda é o âmago sensual da inteligência. Be sample. Inteligência movida pelos insinuantes motores do êxtase, do júbilo, do gozo, do amor qualquer que seja, do tesão brega sórdido, da suspensão dos sentidos, da luxúria, dos sonhos e pesadelos que viram sensações gostosas, da delícia, do deleite, da inquietação gratuita, da dança anestésica, do torpor que é conforto efêmero, do luxo ostensivo, das graças, das futilidades cosméticas, das divertidas amarguras cínicas, das alegrias dementes, dos lapsos de consciência que são felicidades abruptas, das gargalhadas festivas, dos sorrisos maliciosos, dos prazeres que são fenômenos de alienação inspiradora, da lucidez gerada pela consciência do desejo que é conhece-te a ti mesmo paralelo à razão, insinuantes motores da inteligência cujo âmago é pulsação de sensualidade querendo tomar tudo de assalto. A inteligência como malícia que injeta vigor de mutação no mundo. A inteligência é malícia mutante reinventando, distorcendo, influenciando todos os corpos, todas as superfícies, todas as energias do planeta em prol da sua vaidade insaciável. A inteligência é uma espécie de vaidade insaciável e seu âmago é sensual vontade de poder, movida pelos insinuantes motores do gozo, do êxtase, da plenitude, do desejo, que são línguas umbilicais nos lambendo, chamando, nos ligando à fúria das matérias e energias se engolindo no rolo compressor do universo em eterna mutação. No rolo compressor da natureza em eterno trabalho de parto, sedução e morte. Forças caóticas do universo e da natureza que cobram pedágios das normalidades criadas por nós em forma de raios de dúvidas e básicos instintos transformados em fúrias de afirmação vital. O disco é uma homenagem aos fenômenos de prazer gerados pelos insinuantes motores de um conhece-te a ti mesmo paralelo à razão – desejos, desejos, desejos…

Sob o céu do sampler

No primeiro disco, o sampler teve um papel importantíssimo na confecção do clima das músicas. No segundo, virou vedete total, apêndice constante de todas as guitarras, baixos, concepções rítmicas, etc. O sampler é um gravador-sintetizador, que captura, acumula e serve para distorcer, deslocar qualquer pedaço de som ou de música, além de permitir a criação de músicas calcadas em seqüências de fragmentação.
Máquina de reinventar, remanejar, recriar sons. Máquina que permite a criação de músicas a partir de outras músicas. Também pode transformar fragmentos sonoros e musicais em fantasmas sonoplásticos rasantes, interferindo em outras músicas. O homem é sampler orgânico. O cérebro é sampler-víscera-mor. More sampler. O corpo é sampler? É divertido imaginar as pessoas como máquinas de vísceras inquietações estimuladas por influências de promíscuas inter-relações com as substâncias do mundo. Máquinas de vísceras, inquietações de nervos transpassados por magnetismos provocados por eletricidade provocada pelo sangue provocado pelos sensores provocados por impressões exteriores e subjetivas manifestações, provocando vísceras inquietações… Os homens são máquinas que inventam outras máquinas, próteses, instrumentos que são extensões, exteriorizações, materializações de processos orgânicos, mentais, corporais que ampliam sua capacidade de influenciar o mundo. Cada máquina é uma espécie de espelho onde os humanos observam o funcionamento, a caricatura mecânica e cibermética de seus processos orgânicos. Máquinas são alívios. O sampler, assim como outras máquinas, é a caricatura cibernética do processo cerebral-metal. Milhões de fragmentos da realidade entram incessantemente no cérebro como curto-circuito de estalos eletromagnéticos de percepção que se chocam, gerando combinações e recombinações de realidade transmutada. A realidade dentro do cérebro vira veloz labirinto de mosaicos mutantes. O mundo, enquanto quintal da atividade humana, é um labirinto de mosaicos mutantes. O sampler pega todas as formas de vida musical e sonora e nos permite criar labirínticos mosaicos de sonoridades mutantes.
SLA II é uma viagem deliciosa por esses labirintos. Não só nas músicas, mas também nas letras, Fernanda explicita a inspiração que o sampler detona enquanto metáfora da fuga, da obsolescência, da distorção, da chegada e partida, do nascimento e morte dos sentimentos, das sensações, dos pensamentos que toam conta do ser humano. Músicas como Breve História do Tempo e O Estado das Coisas vão fundo nessa visão da vida como fluido fluxo de flutuações sensoriais, mentais, sentimentais, sensuais… Em SLA II, Fernanda, juntamente com Liminha, Fábio Fonseca, Sergio Mekler e Chico Neves, desenvolveu maravilhosamente o que já havia começado no primeiro disco Swing-moldura, servindo de estimulante nave musical pulsante para flagrantes sorrateiros, diretos, inesperados da vida objetiva e subjetiva. SLA II, SLA II, SLA II…

Fausto Fawcett

Sampler. Sub uzi. Armamentos belos. A beleza biodegradável de um curto circuito a se desintegrar. Soul. SLA. Sentimentos esses. Viatura vaga sem peso na Avenida Sernambetiba. Michael Jordan parado no ar. Fora da Lei da Gravidade. Violência cósmica. Paraíso fiscal. Vida e morte se sucedendo a milhões de milésimos por segundo. Bilhões de humanóides se porrando na orgia de um baile funk. Motor da paz. Tambor da guerra. Que é que acaba? O que começa?
No início, a barbárie. A caça. O crime desorganizado. Devoração total. Um trem abarrotado para nenhum lugar. Depois, a luz branca. Deus. A Civilização. Propriedade Privada. Classes Sociais. Escravidão e vidalentúmulo. Advogados. Juízes. Médicos. Filósofos. Artistas. Longa estrada. Muralha da China.
Agora o muro desmorona sonoramente. Tudo em trânsito. A barbárie nos espreita recauchutada. Adeus médicos, filósofos, artistas. O homem da geral entra em campo com um transistor no ouvido, lembrando do tempo que ele apitava o jogo no compasso do seu corpo. Adeus advogados, juízes, políticos. O sampler chegou para despertar o ouvido. Nada mais parecido com uma casa em ruinas que uma casa em construção. O mundo é bem mau e a vida muito curta pra ser pequena. SLA in your body. SLA in your mind. SLA to your soul.

CHACAL

É como o problema do ovo e da galinha: o que vem primeiro, o desejo/a idéia de se fazer alguma coisa ou o instrumento para executá-la? Não importa a resposta: a invenção do sampler era necessária. Quando o instrumento surgiu, já sabiamos exatamente o que fazer com ele. Não que o sampler tenha sido construído exatamente para isso. Antes de sua invenção, e de sua utilização pelos músicos, ninguém poderia saber ao certo qual seria a sua utilidade. Mas a colocação do primeiro sampler no mercado teve o efeito de uma revelação religiosa: como foi possível vivermos tanto tempo sem samplear?

A verdade é que sempre sampleamos, sem saber pecisamente o que estávamos fazendo, sem ter como nomear aquilo que fazíamos. O sampler – o instrumento – chegou não apenas para facilitar as coisas, mas para nos dar consciência do que tínhamos feito até então e, mais importante, para acelerar nosso processo de criação, mudando radicalmente sua qualidade.

De repente tudo ficou claro: qualquer pensamento sampleteia outros pensamentos; a literatura de William Burroughs sampleia outras literaturas; o cristianismo sampleia o judaismo; a arte de Andy Warhol sampleia outras artes; a natureza sampleou moléculas diferentes até produzir a vida. Houve um tempo em que a criação pretendia ser totalmente original. Houve um tempo em que a história (e a física) simulava ser linear.

Hoje, o sampler (a maneira sampler de ver o mundo – o be sample) nos libertou da busca da linearidade e da pureza perdida. Afinal, quem precisa do totalmente novo e do absolutamente original, quando combinar o que já existe pode ser mais divertido e nos proporcionar mais surpresas?

Divertido pode ser a palavra certa: não foi à toa que o sampler encontrou seu veículo ideal na dance music. O pessoal do hip hop já utilizava o toca-discos como instrumento musical, inventando música com a música dos outros. Foi com o hip hop, mais do que com a música concreta (ou com as composições futuristas – a arte do barulho – de Luigi Russolo), que a música se revelou integralmente como colagem sonora. Com a invenção do sampler, os músicos do hip hop (e depois da house, e depois da techno) continuaram a ser os músicos mais radicais em matéria de apropriação de sons de todas as procedências.

Melhor: o público aprendeu na pista de dança a lidar com a estética de choque desenvolvida pelo sampler. O comércio e o extremismo artístico passaram a andar de braços dados, a habitar o mesmo território. O que é extremo lota a pista de dança. Não é mais necessário pousar de vanguarda incompreendida, ou de maldito sem sucesso, para fazer arte radical.

Em Sla II – Be Sample, Fernanda Abreu deixa tudo isso bem transparente. Não é um disco-manifesto, nem deveria sê-lo. O sampler está a serviço da dança, e a dance music a serviço da música brasileira, da música que se faz hoje no Brasil, que pode samplear qualquer outro tipo de música e pode também se auto-samplear (o sampler como o instrumento perfeito para qualquer manifestação antropofágica). A voz de Caetano Veloso e a voz de Lemmy Motorhead, o cavaquinho dos Novos Baianos e o baixo dos O’Jays: tudo vale a mesma coisa no liquidificador digital do sampler. Mas não vou estragar as surpresas: cabe ao ouvinte identificar cada som sampleado. Dançando.

HERMANO VIANNA

Sla 2 Be Sample
1992

DEDICO ESTE DISCO A Sofia Stein com todo o meu amor Direção artística Jorge Davidson Produzido por Liminha Co-produzido por Fernanda Abreu e Fábio Fonseca exceto Jorge De Capadócia e Rio 40 Graus, produzido por Liminha e co-produzido por Fernanda Abreu Mixado por Liminha e Vitor Farias Produção e arranjos de voz e vocais Fernanda Abreu e Felipe Abreu Todos os samples por Fernanda Abreu, Sergio Mekler e Chico Neves Concepção e arranjo Sergio Mekler / Fernanda Abreu Edição e programação Chico Neves Capa Luiz Stein Fotos Flávio Cocker Ass. De arte Marcelo Rosauro Colagem interna Fernanda Abreu Coord. Gráfica Egeu Laus Vinhetas produzidas, editadas e mixadas por Sergio Mekler, Chico Neves e Fernanda Abreu Técnico de gravação Renato Luiz E Brad Gilderman Assistente de produção Andréa Alves Assistente de gravação Márcio Paquetá Assistente de mixagem Guilherme Calichio E Márcio Paquetá Gravado nos estúdios Emi-odeon em março e abril de 1992 Mixado no Estúdio Nas Nuvens em maio e junho de 1992 AGRADECIMENTOS Sandra Kogut (samples “be sample” vozes “parabolic people”) – Hermano Vianna (samples “uma breve história do tempo”) – Memê – Malboro – Liminha – Fabio – Felipe – Laufer – Fausto – Lobato – Chambinho – Chacal – Suely M. – Mathilda – Marco – Luiz – Vidal – Aurelio – Bodão – Herbert – Chico – Serginho – Marcia Stein – Nino Rap – Eddy MC – Vitor – Guilherme, Paqueta e todo o pessoal do nas Nuvens especial, p/ Angelina – Cecília, Ronaldo, Patrícia e todo o pessoal da Odeon p/ Jorge Davidson – Camila – Vale – Fernanda – Felipe – Silvinha – Clarinha – Miguel – Debinha – Alice – Arnaldo de Souteiro – Eumir Deodato – Flavio – Luzia – Regina Casé – Marcelo Martins – Severo – Marcos Suzano – Jorge Ben – Denise Barroso – Paulinho Barroso – André Vaisman – Silvia Pimenta – Cláudio Feldman – Breno Silveira – Robson – Neneh – M. Jacko – Guy – Shabba – R. Collins – J. Brown – Iggy – Clementina – Moreira – Novos Baianos – Gil – Caetano – P. Enemy – Rosana – D. Summer – G. Clinton – C. Me Bad – Emotions – Young MC – Mo. Love – Latifah – Hendrix – M. Monk – Djivan – Motohead – D. Purple – B. Sabat – Supla – Ali Khan – B. Womack – C. Mayfield

Sla 2 Be Sample
1992
Sla 2 Be Sample
1992