por Fausto Fawcett

A LATA NUA!

Fernanda Abreu sempre mandou na lata, quer dizer, sempre foi direta na sua afirmação da delícia de viver, da delícia de viver no Rio. No centro dessa delícia de afirmação a sua vocação pra dançar e fazer música, pra dançar além é claro da sua deliciosa presença sexy-bonita. Fernanda sempre mandou na lata que música tem que forma for-rockxote-forró ou soul de samba funk ou valsa de tango reggae ou vagabundos hooked ons de let’s dance no caldeirão do varejão pop. Música pra ela tem que tocar no gen do suingue lascivo ancestral, refinar o corpo no molejo, aguçar o sexo na ginga, detonar o barato de qualquer um acontecer enquanto forma física. Fernanda sempre mandou de um jeito bem carioca esse papo de música dançante mesmo porque o Rio de Janeiro respira, transpira, celebra em cada esquina todas as gingas de batuque pancadão de equipe som de batucada funk. É onda-ritmo de som durante o dia, pela tarde, bem de noite e, como não? Na madrugada inteira, mesmo que você não queira vai caindo na osmose envolvimento de suingue da cidade suburbana praieira. Por essas e outras é que Fernanda sempre mandou na lata e agora, nua na capa do disco, tá exposta a fartura da sua visão-vivencia-vocação-visão de brasileira garota carioca. Garota sangue bom.
E a vivência-vocação-visão de brasileira carioca tem na música TUDO VALE A PENA sua melhor tradução, síntese máxima do suinge lascivo carioca. É ouvir a música e sair girando numa sambadinha funk. Essa música tem uma divertida safadeza dançante e Fernanda bota pra fora, na lata, esfrega na cara de todos na maior fé sua porção cabrocha bailarina go-go. Também nessa música o suingue da fala tá nítido, tanto na letra precisa no que diz respeito ao sentimento de grandeza e felicidade de festa musical, sensual, normal possível no meio de qualquer luta de pobreza. “Crianças nos morros, nas praças, nos morros. Morro de amores. Rio da leveza de um povo carregado de calor e de luta. Povo bamba. Quem disse, quem pensa que não existem tesouros na favela?” Seus santos são fortes quanto no jeito de Fernanda cantar-malemolência da palavra falada cantada. E só prestar atenção no jeito dela cantar “… cai no samba dança funk tem suingue até no jeito de olhar. Tem balanço no trejeito, no andar Andar de cima tem a música tocando. Andar de trem tem gente em cima equilibrando”. Ela sabe que quem tem suingue no corpo tem suingue na fala. Junto com a coxa vem a boca. A coxa chega no escândalo dançante meio samba meio funk e quando a boca chega e se abre falando o dizer é só prazer de acompanhar a coxa.
É cabeça de chave de um grupo de músicas que inclui ainda a excelente vinheta A LATA onde Fernanda e Chacal fazem um dueto maravilhoso em clima de ecos de fala metralhada que lembra direto Rio 40º. “A lata no fundo da madrugada no silêncio, na calada de repente foi chutada e na batida começou a batucada.” Também tem Garota Sangue Bom, Veneno na Lata e Esse é o Lugar. Músicas do Rio onde levadas de batucada se casam com andamentos funk e pitadas de sampler tocando gostoso no nervo do morro e do asfalto. Nervo da bateria eletrônica do pagode.
Não adianta, ela é carioca e é dessa perspectiva Rio de Janeiro que ela homenageia celebra a vocação festiva nacional na outra música síntese tradução do tesão de se acabar dançando de qualquer jeito / Brasil é o país do suingue. Esculacho de gozo dançante explicitado na letra. “Vamo lá rapaziada todo mundo dançando, vamo lá rapaziada todo mundo pulando, dançando sem parar, O brasileiro é do suingue o brasileiro é do baile, o brasileiro é de festa. O brasileiro tem carnaval no sangue. E deixa solta essa bundinha, deixa solto esse quadril e grita Brasil, Brasil, Brasil é o país do suingue…” Uma festa de arromba que reuniu de Herbert Vianna e Regina Casé, de Paula Toller a Lulu Santos todos juntos, gritando, cantando, convocando toda as entidades rítmicas, todas as manifestações musicais festivas de todas as regiões do país a fim de incrementar o carnaval geral. Beleza. Mas Fernanda sabe mandar na lata músicas lentas (muito boa essa simples terminologia de baile e festinha+música agitada e música lenta); Lentinhas que lambem os ouvidos com competência de sedução total. S.L.A. III é lentinho suingado de boate com sotaque Madonna de Fernanda cantando o refrão. “São Sebastião lembrança aérea, São Sebastião lugar agreste…” Lentinha suingada de boate com sensacional letra acróstica. As iniciais S.L.A. sendo desvendadas de formas inesperadas. A garota tá mandando ver na pena xará.
Tem também lentinha bossa nova pra passeio, a deliciosa SOMOS UM. É botar a música e sair flanando por paisagens de domingo amoroso. Tem também lentinha charmosa, do gênero charm, pra dançar juntinho sincronizado num baile ou agarradinho assim assim, o nome dela? UM DIA NÃO OUTRO SIM. Tem também DOIS e a regravação de A TUA PRESENÇA de Caetano Veloso com um final de batucada puxada meio surpresa bacana. Pra coroar o disco um bonus track, faixa-brinde com outra celebração: RIO BABILÔNIA o discotecante hino do astral sacana festivo da cidade maravilha mutante. Quente paraíso do espírito excitado pela festa dos sentidos animados pelo mar, pelo sol e pelas suas garotas. Quem gosta de dançar, se divertir, tirar um sarro com a vida e, por aí namorar vai se fazer com esse disco. Além do mais, cá entre nós, Fernanda Abreu é única no país em se tratando desse papo pop dançante. Agora mais que nunca ela tá mandando na lata e, nua na capa do disco, tá expondo a fartura da sua visão-vivência-vocação de garota brasileira carioca. Divirtam-se com essa garota sangue bom. Fernanda é uma delícia. Fernanda é demais. Tenho dito.

FAUSTO FAWCETT