por Fausto Fawcett

A NOVIDADE DA FERNANDA

Depois de passear musicalmente por universos que iam da hedonista celebração “disco dance” ao sentimento na lata da exuberância social do samba-funk, passando pela crônica da influência de tecnologias de gravação nas mentes musicais e pelo poderoso caos das megalópoles, Fernanda Abreu chega com disco novo, novo disco, disco novo da Fernanda. NA PAZ é uma homenagem a todas as formas de valentia pacifista que desafiam o cerol insinuante que envolve a corda bamba da vida humana, essencialmente urbana na assim chamada atualidade. A partir do posto de observação Brasil-carioca, mas valendo pra qualquer concentração de megacidade internacional.

INSPIRAÇÃO UM – A PIRAÇÃO DA PAISAGEM SOCIAL

Gigantescas miserópolis-senzalas constituem o âmago urbano das megalópoles bregarunners do terceiro e quarto mundos. Sorrateiras miserópolis-senzalas constituem os guetos explosivos das megalópoles bladerunners do assim dito primeiro mundo.Nas primeiras, as elites opulentas vivem cercadas por fudidos na democracia. Nas segundas, as elites de fudidos explosivos vão cercando a opulência democrática. Gigantescas miserópolis-senzalas habitadas por todos os tipos de náufragos existenciais, revoltados fatais, encurralados em semi-escravidões de inércias, desesperos, vinganças. Batalhas por algum lugar ao sol ou por simples arrogância assassina, necessidade fundamentalista de sair na porrada em nome da indiferença em relação ao outro. A sombra de Mad Max paira sobre o planeta. Cerol insinuante envolve a corda bamba da vida humana em qualquer concentração urbana, principalmente nos países onde o verniz da civilização é ralo. Países tipo Brasil, também conhecido como o abismo que nunca chega. Paiol de vertigens, paraíso das crises crônicas.

INSPIRAÇÃO DOIS – O DIA-A-DIA DA SUPERAÇÃO HUMANA

NA PAZ canta a sobrevivência nesse ambiente de turbulência mundial, como um drible desconcertante desarmando, furando, num rompante de humor, luxúria, inteligência, criatividade empreendedora (ou simplesmente ira de atitude demente), a retranca claustrofóbica do atraso social, do atraso mental, do atraso social. O choque dos humanismos com as barbáries, dos egoísmos com as compaixões, das ferozes ignorâncias com as ferozes erudições, da meteorologia com os varais, das swats assistenciais com os contrabandos de vírus e as migrações de armas, das swats mercenárias com etnias desgarradas, dos sociopatas com os normopatas, dos governos com as máfias, das esperanças distraídas com os sarcásticos cinismos realistas. Esse choque é que gera a energia beligerante característica da humanidade contemporânea.

A CAPA – O ENCARTE

Energia beligerante que está brilhantemente traduzida na foto da capa (e nas outras que compõem o excelente encarte idealizado por Luiz Stein).Fernanda assumindo uma atitude de paradoxal arrogância bélica, defendendo os mais variados emblemas da humanidade em comunhão. Paradoxal arrogância bélica porque flores e não balas é que saem dos canos das armas, esses autênticos talismãs da urbanóia. Dentro do encarte, Fernanda transforma-se numa jornalística pinup do universo bélico-bandido-terrorista que há muito freqüenta nossas mentes. A encruzilhada da palavra e do sentimento Paz tá na capa do disco, tá no encarte do disco. A branca pomba da paz gira tonta com tanta solicitação por aí. Mais do que galinha de macumba, ela tá sendo usada como instrumento de despacho do mal-estar atual da civilização.

UM QUESITO PECULIAR – A PRODUÇÃO

E uma festa secreta? São vários casamentos diários rolando na surdina? É tudo isso e muito mais quando Fernanda começa a gravar um disco. Isso acontece porque o toque da sua produção não esta restrito à esco-lha-direcionamento dos elementos musicais, instrumentais etc, a serem utilizados. O charme que envolve os trabalhos vem da sua capacidade de juntar pessoas num congraçamento bacana em torno de suas idéias e intenções. Não é um grupo de três ou cinco curtindo um casulo criativo, é uma menina-pivô de idéias para letras e músicas, administrando o chega mais de competências inspiradas. Sapiência na escolha a dedo da rapaziada. E nesse disco não foi diferente, ainda mais sendo o primeiro trabalho gravado no seu próprio estúdio. Com o auxílio luxuoso de Rodrigo Campello, Fernanda botou pra quebrar, buscando novas trilhas sonoras, outros caminhos musicais, diferentes vôos instrumentais em relação a seus trabalhos anteriores. Não deu outra. Acertou no alvo da sonora mutação. Maravilhosa produção.